Condenação na Itália, uso liberado no Brasil
A exposição de trabalhadores e pessoas da comunidade aos males causados pelo amianto fibra natural considerada cancerígena, mas resistente e barata e, por isso, muito utilizada na construção civil levou dois magnatas à cadeia. A Justiça italiana condenou na segunda-feira 13 o bilionário suíço Stephan Schmidheiny e o barão belga Louis de Cartier de Marchienne a 16 anos de prisão. Os fundadores da empresa Eternit responderam por omissão intencional de cautelas e desastre ambiental doloso ao expor funcionários ao produto, sabendo que este era prejudicial ao meio ambiente e à saúde.
A sentença ainda obriga a dupla a pagar 95 milhões de euros em indenizações aos autores da ação civil, que traz milhares de doentes terminais e mais de 2 mil mortos.
Hermano Castro, pneumologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, destaca que o amianto é considerado cancerígeno em todas as suas formas inclusive o crisoltina, usado no Brasil desde o século XX. Não existe justificativa para a utilização do amianto da maneira como ocorreu e há uma enorme responsabilidade do setor industrial nisto. O mesmo acontece com outros produtos nocivos à saúde, mantidos no mercado apenas por questões comerciais.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que 125 milhões de pessoas convivem com amianto no trabalho e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 100 mil trabalhadores morram por ano devido a doenças relacionadas ao amianto.
No Brasil, a Eternit afirmou em comunicado oficial em seu site, não ter relação com a companhia em outros países, inclusive na Itália, e que a empresa possui 100% de capital nacional. O uso da marca se dá de forma distinta por diversas empresas em vários países.
Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e fundadora da Abrea, que está na Itália para acompanhar o julgamento, contesta a empresa. Estão tentando minimizar o problema ao máximo. Até 2001, a Amindus, que faz parte do grupo suíço fundador da empresa no Brasil, ainda tinha participação na Eternit.
Segundo ela, na Itália, a empresa declarou falência há anos, mas o processo não tem prescrição. Os donos não têm mais interesses no amianto, mas isso não significa ausência de responsabilidade.
A Eternit brasileira aponta que segue rígidos padrões de segurança que superam as exigências legais, definidas pela Lei Federal nº 9055/95 sobre o uso, extração e industrialização, entre outros aspectos, do amianto crisotila. É essa lei que Giannasi quer pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a revisar. É inconcebível pensar que um produto reconhecidamente cancerígeno e que já tem substitutos continue sendo explorado no Brasil.
Ela espera que a decisão italiana reflita no STF, que, segundo a auditora, deve julgar nas próximas semanas uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP), pedindo a inconstitucionalidade da lei federal sobre o uso controlado do amianto. Acreditamos que os ministros têm uma posição favorável à proibição.
A mesma posição é defendida por Castro. Espero que o Brasil siga o exemplo de alguns países da União Europeia (onde o uso do amianto é proibido desde 2005) e que também caminhemos para substituir totalmente o produto no País, diz. E completa que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) define o amianto como substância perigosa e orienta seu descarte em aterro especial.
Giannasi destaca que no Brasil há um processo de 2004 semelhante ao da Itália, com decisão contra a Eternit em primeira instância pelo Tribunal Judicial de São Paulo por danos morais, materiais e de saúde para 2,5 mil pessoas. Um recurso ainda corre no Supremo Tribunal de Justiça desde 2010.
Apesar de ter o uso liberado nacionalmente, o estado de São Paulo proíbe desde 2007 a utilização de qualquer variedade de amianto em seu território. É única medida possível para aprovar em cada estado e município uma proibição que se possa chegar a um banimento nacional. Desde 1993, existem iniciativas federais e nacionais neste sentido, mas todas foram frustradas.
As medidas não seguiram adiante, afirma, porque o Congresso brasileiro concentra um lobby com grande capilaridade a favor da manutenção do amianto. O setor consegue exercer influência com a bancada da crisotila, composta principalmente por deputados de Goiás. Muitos deles financiados por empresas do setor. No Supremo, eles têm como advogado o ex-ministro e ex-presidente do STF Maurício Côrreia (aposentado desde 2004).
Uma barreira bancada pelo setor industrial considerada pouco inteligente por Castro. As consequências do uso do amianto aparecem depois e as empresas vão ter que pagar por isso. O País não precisa passar por este transtorno, pois o preço disso são vidas humanas levadas em função desta exposição.
Fonte: Revista Carta Capital