Audiência Pública discute veto a projeto de lei sobre mercúrio

Crédito: Assessoria / MM

O mandato do deputado estadual Marcos Martins (PT), realizou na manhã dessa quinta-feira (12/09), a Audiência Pública “Mercúrio Zero, Veto Não”, que teve como objetivo debater com a sociedade o veto do governador de São Paulo ao PL 769/11, de autoria do parlamentar, que propõe a eliminação progressiva do uso de equipamentos hospitalares com mercúrio nas unidades de saúde pública do Estado de São Paulo.

Durante o evento, que contou com a exposição de palestrantes de diferentes segmentos sobre os perigos do mercúrio, foram unânimes as manifestações contrárias ao veto. Fizeram parte da mesa de debates a Dra. Marcília de Araújo Medrado Faria (USP), Dra. Márcia de Mello Correia (Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas), Benedito Alves de Souza, (Sindicato dos Químicos de São Paulo e Conselheiro Estadual de Saúde), Gilberto Almazan (Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região), Paulo Lengruber (doutorando em Direito do Trabalho na USP), Jeffer Castelo Branco (Coordenador da Associação de Combate aos Poluentes) e Valdivino dos Santos Rocha membro da Associação dos Expostos e Intoxicados por Mercúrio (AEIM).

Importância do diagnóstico

Abrindo a audiência, Dra. Marcília fez uma apresentação detalhada sobre os malefícios que a exposição ao mercúrio causa à saúde humana e ao meio ambiente. Ela explicou o que é o mercúrio e a sua ação prejudicial em células do sistema nervoso central, por se tratar de uma substância neurotóxica, causadora de síndromes neuropsiquiátricas e síndromes secundárias devido à intoxicação pelos vapores de mercúrio.

“As células afetadas apresentam complicações nos neurônios, alterando o sistema nervoso central. Portanto, o diagnóstico é complexo, e por isso é necessário defendermos um protocolo de atendimento com critérios rigorosos, pois muitas vezes o mercúrio não aparece no organismo somente por meio de exames de urina”, explicou.

De acordo com a Dra. Márcia de Mello Correia, do serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas, os casos de contaminação estão diretamente ligados ao serviço de saúde ocupacional, e 84% dos contaminados são trabalhadores da indústria de lâmpadas. Também foi apresentado um número relativamente alto de dentistas contaminados na atividade, pelo uso de amálgamas à base de mercúrio. Para ela, é fundamental socializar as informações, “pois nosso objetivo principal é acabar com o mercúrio antes que ele acabe com a nossa vida”, defendeu.

Doenças ocupacionais

Já o presidente do Sindicato dos Químicos de São Paulo, Benedito Alves de Souza, falou do drama dos trabalhadores que durante anos se dedicam às atividades na empresa, e depois não recebem atendimento. “As empresas viram as costas. Somos trabalhadores. Nascemos, crescemos e fomos para o mercado de trabalho. E aí, lá na frente, descobrimos que fomos recompensados com doenças ocupacionais, em decorrência de contaminação por substâncias químicas”, afirmou.

Gilberto Almazan, do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, presenteou o deputado Marcos Martins com o livro “Rompendo o Silêncio – vítimas dos ambientes de trabalho”, organizado pelo sindicato, e apresentou o histórico dos problemas enfrentados no caso da OSRAM, indústria de lâmpadas sediada em Osasco.

“Os trabalhadores enfrentaram um drama para fazer com que a empresa reconhecesse que estavam contaminados, pois utilizavam somente o exame de urina, que muitas vezes é insuficiente para o diagnóstico. Quando conseguimos uma auditoria fiscal do Ministério Público do Trabalho [MPT], começamos a fazer o atendimento e os afastamentos por acidente de trabalho, pois haviam funcionários debilitados. Posteriormente, um novo drama se instalou quando esses trabalhadores retornaram ao trabalho, e passaram a sofrer discriminação da empresa”, explicou Gilberto.

Mercúrio e direito trabalhista

Abordando a área do direito, o Dr. Paulo Lemgruber relatou o acompanhamento de três casos de ações civis públicas, movidas contra as empresas da indústria de lâmpadas OSRAM, Sylvânia e Philips. Ele revelou que, em ambas as ações, o MPT pede condenação das empresas com indenização por danos morais aos trabalhadores expostos e o fornecimento de assistência médica adequada.

Lemgruber, que assessorou a AEIM, também mencionou o caso de um terreno em Santo Amaro, que já foi utilizado como aterro para descarte de lâmpadas e cuja análise do solo e lençol freático comprovou contaminação. “Os laudos demonstram contaminação do solo e os funcionários que foram fazer as fundações para a construção de um empreendimento imobiliário correm risco devido ao mercúrio despejado ali pela Sylvânia. Provavelmente as pessoas que morarão no empreendimento também correrão risco de contaminação”, alertou.

Risco ambiental

O coordenador da Associação de Combate aos Poluentes, Jeffer Castelo branco, iniciou sua explanação falando sobre o Tratado de Minamata, que deve ser ratificado em outubro por pelo menos 50 países signatários, entre eles o Brasil. Ele alertou sobre a contaminação dos mangues na baixada santista e mostrou dados de uma pesquisa feita com crianças da região de Cubatão, que apresentaram níveis elevados de mercúrio no organismo devido ao consumo de peixes dos rios locais.

“Empresas costumam maquiar os resultados de análises. Há relatos de funcionários que receberam ordem de despejar caminhões de mercúrio no Rio Cubatão. A contaminação dos mangues na baixada santista já foi comprovada, devido à produção inadequada. Não queremos que essas empresas fechem, mas sim que mudem sua matéria prima”, afirmou.

Já Valdivino Rocha, da Associação dos Expostos e Intoxicados por Mercúrio – ele próprio um intoxicado -, apresentou histórico da produção de lâmpadas fluorescentes no Brasil e o início da luta em defesa dos trabalhadores, com dados sobre a contaminação de funcionários.

“De acordo com a Constituição, saúde é um direito de todos e dever do estado. Mas não é o que vemos quando um governador veta um projeto de lei que tenta proteger os trabalhadores dos riscos à saúde causados por uma substância que já poderia estar banida”, declarou.

Ao final, Valdivino conclamou o público presente, composto também por pacientes de mercurialismo, a colocarem seus medicamentos sob a bancada, em um gesto simbólico para demonstrar o quanto o problema afeta suas vidas.

Encerrando a audiência pública, o deputado Marcos Martins lembrou que há um conglomerado de interesses financeiros que resistem a qualquer tentativa de restringir o uso de mercúrio na indústria.

“É uma luta contra o poder econômico, contra a ganância à custa de vidas de trabalhadores. Esse é o nosso desafio como cidadãos. Tivemos recentemente uma ação positiva na Itália contra os donos da Eternit, que foram condenados a 18 anos de prisão e indenização de 100 mi de euros às vítimas do amianto. Há outra ação contra a Eternit no Brasil pedindo R$ 1 bilhão de indenização. Precisamos avançar com ações coletivas para indenizar essas vitimas”, disse o parlamentar.

Ao final do evento, trabalhadores contaminados por mercúrio deram seus depoimentos, onde falaram das principais dificuldades enfrentadas na luta contra as doenças ocupacionais herdadas por anos de trabalho na indústria.

Também participaram da audiência o vereador de Cajamar, Raimundo Nonato, o vereador de Carapicuíba, Marciano, representando o vereador de Osasco, Aluisio Pinheiro, seu assessor Luiz Morimoto, o presidente da Abrea, Eliezer João de Souza, o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região, Carlos Aparecido Clemente, os membros da Associação dos Mercuriados, Vladimir Krauss e Jakeline Fragoso, a membro da Cerest Osasco, Mirella Manzi, o membro do Movimento das Pessoas com Deficiência de Carapicuíba, Silvio José Souza, o procurador do trabalho Dr. Murilo César Muniz e o médico do INSS, Dr. Cláudio Ermínio Neto.