Eternit “cortejou” ex-funcionários contaminados com amianto para evitar ação na Justiça, diz MPT

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Depois da ação na qual pede R$ 1 bilhão de indenização por danos coletivos à Eternit, acusada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de ser responsável pela contaminação com amianto de centenas de ex-trabalhadores da sua unidade de Osasco (SP), procuradores do Trabalho identificaram tentativas da empresa de agradar esses ex-empregados. Foram localizadas cartas enviadas nas quais a empresa “corteja”, segundo o MPT, seus antigos funcionários. A fábrica em Osasco fechou em 1993. No entendimento do Ministério Público, o conteúdo dessas correspondências demonstram que, para evitar que os ex-funcionários entrassem com ações judiciais, a empresa reabriu a Associação Recreativa dos Colaboradores da Eternit (Arce), em 97, na cidade, ofereceu churrascos para a “família Eternit”, distribuiu cestas de Natal e instalou telões para a transmissão de jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1998.

O MPT obteve cartas dos anos de 97 e 98 destinadas aos ex-funcionários. Numa delas, de novembro de 97, a empresa convida: ‘Para marcar as comemorações natalinas, a Eternit realizará um grande churrasco de confraternização para todos os seus colaboradores e ex-colaboradores. Gostaríamos de contar com sua presença e de sua família nesta data festiva. Será um grande prazer reencontrá-lo” . Em outra, de agosto de 1997, a empresa convida a “família Eternit” para outro churrasco e diz que essas reuniões são para discutir assuntos do interesse de todos e, “principalmente, para estarmos mais próximos”.

A Eternit chama essas correspondências de carta-convite e pede que reforcem o convite a outros ex-trabalhadores da empresa. Em junho de 98 houve uma celebração em torno da Copa do Mundo, com telão: “Venha dar força à nossa seleção! Vamos passar agradáveis momentos juntos torcendo pela seleção brasileira na Arce. Será instalado um telão para melhor visualização e conforto”.

Mas numa das cartas, de 25 de setembro de 98, sobre o evento “Conversa com a Eternit”, a empresa deixa claro que o objetivo da reunião é tentar um acordo com seus antigos funcionários: “Dando sequência aos nossos contatos, estamos enviando, para conhecimento e análise de V.Sa, os seguintes anexos: a cópia e um resumo do Instrumento Particular de Transação, que reflete os termos de entendimentos mantidos em reunião abertas”, e cita sete datas de encontros anteriores. A Eternit reforça nesta correspondência que mais de 400 “ex-colaboradores de Osasco”, como se refere a seus ex-empregados, já firmaram acordo idêntico.

Essas cartas foram anexadas numa ação que a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) ajuizou contra a Eternit. Nessa ação, a Abrea requer assistência médica integral aos ex-funcionários e também indenizações individuais pelos danos materiais, morais e assistenciais ocasionados pela exposição ao amianto. O advogado da Abrea, Paulo Lemgruber, afirmou que, com esses eventos na associação, a Eternit atualizou seu banco de dados e promoveu conversas paralelas para propor e discutir acordo, enquanto ações corriam na Justiça.

— A empresa readquiriu a confiança das pessoas ao custo dessa camaradagem que criaram. Eles propuseram reparações ínfimas. Não diria que a empresa forçou as pessoas, mas foi um aliciamento para que assinassem esse acordo e, assim, diminuísse significativamente o passivo que deixaram lá. Eles sabiam que teriam que pagar alguma coisa aos trabalhadores, e buscaram reduzir esse dano — disse Paulo Lemgruber, que estima que, dos cerca de 10 mil ex-trabalhadores da Eternit em Osasco, 4 mil assinaram acordo com a empresa.

O procurador do Trabalho Luciano Leivas, que atua no grupo criado para acompanhar este caso, afirmou que não surpreende o comportamento da Eternit. Para ele, o conteúdo das cartas deixam claro que o objetivo dos eventos festivos era de convencer os trabalhadores a assinarem o acordo que seria mais vantajoso para a empresa.

— Considero o que fizeram muito grave e inadequado. A gravidade é pelo direito que está sendo discutido e a inadequação é onde se dá e a forma como se obtém essa assinatura. Em eventos comemorativos. Não é surpresa a empresa reabrir o clube e colocar lá dentro, em ambiente festivo, seus ex-trabalhadores e depois apresentar um instrumento de transação. É uma situação que causa perplexidade — disse Luciano Leivas.

Empresa nega acusações

A Eternit informou que a reabertura do clube foi um pedido de seus ex-trabalhadores e que faz parte da cultura da empresa comemorar datas significativas com seus funcionários e por suas ligações históricas com Osasco. A empresa também informou entender que seria importante se reaproximar dos antigos funcionários “em razão das diversas manifestações e pedidos de orientação, principalmente para aposentadoria, em face do movimento iniciado pela recém-criada Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto)”. A Eternit afirmou também que, além de reabrir o clube, instalou, em 1996, um escritório para acompanhamento social e clínico funcional de ex-colaboradores.

A Eternit informou que os instrumentos de transação eram para os interessados e que prestou assistência médica aos que se contaminaram com amianto. “Pelo acordo, aqueles que porventura estivessem ou viessem a ficar doentes em função do amianto teriam assegurados planos de saúde e compensação financeira. Muitos dos acordos foram homologados na Justiça”.

A empresa diz ainda que não se sustenta a acusação de que as reuniões — churrascos, festas e jogos da Copa do Mundo — eram atreladas a assinatura de acordos: “Mesmo a mais superficial análise delas (cartas-convites) demonstra que se passaram mais de dois anos entre o início das reuniões e a assinatura dos instrumentos, assinatura que só se deu depois de oportunizada a análise pelos ex-colaboradores ou por quem eles entendessem adequado”.