Comissão especial da Câmara dos Deputados realiza debate sobre a crise hídrica paulista
Representantes de movimentos sociais, sindicalistas, autoridades do governo federal, integrantes do Ministério Público e deputados federais e estaduais participaram nesta segunda-feira, 5/10, de mesa-redonda para debater a crise de abastecimento de água em São Paulo. O encontro foi promovido pela Comissão Especial Crise Hídrica no Brasil, da Câmara dos Deputados, com o apoio da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Representantes de movimentos sociais, sindicalistas, autoridades do governo federal, integrantes do Ministério Público e deputados federais e estaduais participaram nesta segunda-feira, 5/10, de mesa-redonda para debater a crise de abastecimento de água em São Paulo. O encontro foi promovido pela Comissão Especial Crise Hídrica no Brasil, da Câmara dos Deputados, com o apoio da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Os deputados federais Nilto Tatto (PT/SP) e Orlando Silva (PCdoB/SP) representaram a comissão da Câmara dos Deputados na coordenação da mesa de trabalhos, junto com o presidente da Comissão de Meio Ambiente, Roberto Tripoli (PV), e a vice-presidente, Ana do Carmo (PT). O 1º secretário da Assembleia, deputado Enio Tatto (PT), participou dos debates junto com outros parlamentares, como a deputada Marcia Lia (PT) e Marcos Martins (PT).
Representantes da sociedade civil fizeram as primeiras apresentações. Delmar Mattes, do Coletivo Luta pela Água, elencou o que considera serem as causas profundas da crise: a mercantilização da água e privatização da gestão do saneamento básico; a busca de águas em mananciais cada vez distantes dos centros de consumo; a não priorização da preservação e recuperação dos mananciais e tratamento de esgoto; e o pouco empenho em programas de redução de consumo, eliminação de desperdício e uso racional da água.
Mattes também apontou a falta de transparência e de canais de participação e controle social por parte dos órgãos gestores dos recursos hídricos, como também o não enfrentamento de questões estratégicas ligadas à questão das mudanças climáticas.
Mercantilização da água
Para o representante do Coletivo Luta pela Água, o problema do saneamento básico não é a falta de dinheiro. Segundo ele, a Sabesp apresentou, entre 2013 e 2015, lucro de R$ 13,7 bilhões, sendo que destes R$ 6,9 bilhões foram para o governo do Estado e R$ R$6,8 distribuídos entre os acionistas privados. “Está claro que a questão não é falta de recursos”, disse, conclamando o apoio para emenda à Constituição que visa transformar a Sabesp em empresa 100% pública.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema), Rene Vicente, disse que desde 2013 já havia alertas para a necessidade de um plano de economia de água. “Não fomos ouvidos por razões eleitorais.” Para o sindicalista, nos bairros mais pobres da periferia tem faltado água constantemente, mas não há qualquer informação para a população sobre a interrupção do abastecimento e se há um plano de contingência em curso. “É preciso diálogo. Os trabalhadores sofrem com a pressão feita pela população e com a terceirização.”
Maru Whately, da Aliança pela Água, entidade que reúne 60 organizações, disse que em vez de caracterizar a situação atual como crise hídrica seria mais exato falar em crise de gestão da água. “Nosso problema não é a quantidade de água, mas a falta de qualidade”, disse ela, ao chamar a atenção para a diferenciação necessária entre estiagem e escassez. “Em São Paulo, a crise é uma combinação de eventos climáticos e um modelo de gestão que não comporta a participação e o controle social.”
Maru falou também sobre o aplicativo “Tá Faltando Água”, que, por meio de notificações dos usuários, mapeia a falta de água em várias regiões do Estado. Desde seu lançamento, milhares de denúncias de falta d”agua foram registradas na Região Metropolitana de São Paulo.
Rubens Harry Born falou sobre os impactos das obras de transposição no sistema produtor na área de proteção e recuperação de mananciais do alto Juquiá e São Lourenço. Para ele, a associação do processo de ocupação da área com os impactos da obra podem repetir o mesmo cenário “catastrófico” vivido pelas represas Billings e Guarapiranga.
Segundo Born, as obras estão sendo desenvolvidas sem avaliação e estudos de impacto ambiental. Ele indica que existem fraudes na licitação, que o projeto se baseia em estudos da década de 1980, já desatualizado, e que não estão sendo cumpridas as exigências de compensação previstas. A transposição São Lourenço ” Lavras e Juquiá- Santa Rita é objeto de ação civil pública. “O governo diz que esta é a maior obra hídrica do país. Precisamos que o Ministério Público atue junto ao procurador-geral da Justiça para que sejam observadas não só a questão da água como a também a da ocupação do solo na região.”
Autoridades e MP
Horácio Figueiredo, da Agência Nacional de Águas (ANA), depois de expor a série de dados sobre a vazão do Sistema Cantareira, que demonstra a situação crítica dos dois últimos anos, avaliou que existe uma grande confusão na estrutura de gestão dos reservatórios que formam o sistema. Por força da Constituição, alguns deles estão sob o controle do Estado e outros sob a administração federal. “Quem decide? Como trabalhar essa gestão de maneira a termos um caminho de uma mão só?”
Os dilemas apontados por Figueiredo podem ser brevemente superados. A promotora Alexandra Faccioli Martins, do Ministério Público Estadual, considera que este é um momento decisivo, pois está sendo discutida a renovação da outorga do Sistema Canteira
A Agência Nacional de Águas e o Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE) do Estado de São Paulo concederam a outorga à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), em agosto de 2004, autorizando o uso dos recursos hídricos do Sistema Cantareira, para fins de abastecimento público, com prazo de dez anos.
A renovação da outorga de direito do uso das águas dos reservatórios precisa, segundo a representante do MPE, considerar um grande número de áreas envolvidas que integram a Grande Região Macrometropolitana. A previsão de crescimento demográfico para o período de 2008 a 2035 é de 6,3 milhões de habitantes, o que implica uma demanda de água adicional de 60 m³ por segundo.
Entre outras coisas, a renovação de outorga deve considerar a recuperação e preservação dos recursos florestais e de áreas de proteção ambiental; o acompanhamento do licenciamento de barragens; incluir novos instrumentos para dirimir conflitos na gestão de recursos hídricos e mecanismos de informação, participação e controle social. Antes de se efetivar a renovação da outorga, o Ministério Público recomendou aos outorgantes ouvir os agentes envolvidos, como os comitês de bacias, para formatar as exigências de um plano de implementação de uso racional da água e melhorias de eficiência, prazos e cronograma de implementação e metas progressivas.
A representante do Ministério Público Federal, Sandra Kishi, acrescentou que há necessidade de se balizar a outorga e o conceito de dominialidade da água. A lei de recursos hídricos atribui a cada um dos níveis de Poder responsabilidades na gestão dos cursos de água. Esse regime de delegação pode ser revogado, pela ANA, nos casos de conflito ou desídia na gestão. Segundo a promotora, o controle social está ainda muito longe de se efetivar. Ele lembra que até testes de qualidade de água não estão disponíveis para os comitês de bacias.
O deputado Enio Tatto (PT) disse que a Assembleia nunca criou obstáculos para viabilizar empréstimos pleiteados pelo governo estadual com a finalidade de financiar investimentos em saneamento básico. “Por que, então, esse déficit e atraso?”, questionou. O parlamentar lamentou a ausência de representantes da Sabesp e do DAEE nos debates desta segunda-feira.