Lição de Humildade

Marcos Lopes Martins nasceu num rancho de pau-a-pique, fincado no sertão paranaense de Jandaia do Sul, precisamente no dia 7 de maio de 1946. Os pais, Gabriel Lopes Vilar e Maria da Paz Martins, viviam exclusivamente da lavoura, onde a pobreza e as dificuldades de sobrevivência eram acentuadas por conta do período pós-guerra. Diante da crise, era humanamente impossível encontrar querosene, fósforo, leite, arame, açúcar, enfim, foi nesse clima que Marcos Martins passou a infância ao lado de três irmãos. Em 1968, já morando em Osasco, lutou contra o regime militar e pelo fortalecimento da categoria dos bancários. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores de Osasco, sendo mais tarde eleito vereador. Hoje, reeleito para o quinto mandato consecutivo, comemora o fato de poder, a partir de janeiro, trabalhar pela primeira vez com um prefeito do mesmo partido. Ao longo da carreira política, sua conduta esteve sempre pautada na defesa dos interesses do trabalhador, principalmente na luta contra o banimento do amianto (material cancerígeno). É formado pela Faculdade de Economia e Administração de Osasco e casado com a funcionária pública Sueli de Andrade Barca. O casal tem três filhos: Luanda (21 anos),
Marcos (17) e Hércules (4).

ENTREVISTA

Como foi a infância de Marcos Lopes Martins?
– Nasci num rancho, no meio do mato. Meu berço era uma lata de querosene. À noite, a gente via a lua e as estrelas por meio das frestas. Havia muita miséria por causa do período pós-guerra. Assistência médica então, nem se fala. Na época, o índice de mortalidade infantil era assustador. Se fosse hoje, meu irmão Gabriel, de apenas 4 anos, não teria morrido. Mas o que mais judiava na época era a fome. Às vezes, para ver os filhos alimentados, meus pais deixavam de comer. Por isso, com 7 anos fui para a roça trabalhar junto com os meus três irmãos – Maria, Diogo e Rosa.

Então o trabalho na roça era de segunda a domingo?
– Nos fins de semana, antes de brincar com os garotos da cidade, meu pai sempre passava uma tarefa. Só depois de cumpri-la é que a gente podia sair para jogar bola, nadar e pegar peixe na base da peneira. Eu costumava fazer meus brinquedos com carretéis de linha e pedaços de madeira. Tá vendo essas pequenas cicatrizes na minha mão esquerda? São marcas do tempo em que eu fazia carrinhos e estilingues com canivete cego. Eu era muito bom com um estilingue. Dos tempos de caça, ainda guardo duas forquilhas: uma de marfim e a outra de pé de gabiroba. Sou um cara muito saudosista…

E o primeiro ano na escola?
– Foi uma aventura. Trabalhava meio período na roça e depois ia estudar na cidade. Até os 10 anos, meus pés eram vermelhos, pois eu nem sequer sabia o que era calçar um sapato. Minhas roupas eram feitas de saco de açúcar, de trigo, enfim, eram vestes humildes. Para chegar à escola, cortando a mata por meio de uma trilha, eu caminhava com meus irmãos quase três quilômetros. Entrava na aula descalço e de calças curtas, mas o uniforme era um guarda-pó. Em Jandaia do Sul, fiz até o segundo ano do colegial, que na época era o científico. Em 1968, motivado pelo meu irmão Diogo, que já trabalhava na Eternit, acabei chegando a Osasco. Fiz o último ano do colegial lá no Ceneart, mas passei um ano correndo atrás de emprego.

O que fazia para sobreviver?
– Ganhava alguns trocados medindo terrenos que ainda não estavam legalizados na prefeitura. Até conseguir o primeiro emprego, com registro em carteira, meu irmão segurou uma grande barra. Imagine uma turma de desempregados morando em uma casa de aluguel de apenas dois cômodos…

E o primeiro emprego, com registro em carteira?
– Foi em uma agência bancária, como contínuo. Mais à frente, aliado a outros companheiros, passei a fazer oposição sindical. Em 1979, depois de muita luta, conseguimos eleger a primeira chapa da oposição de São Paulo, Osasco e região. Com isso, fui convidado para organizar a regional do Sindicato dos Bancários. Ali eu fazia de tudo: limpava banheiro, fazia pré-cálculo, andava pelos bancos distribuindo panfletos, até que surgiu a Folha Bancária. O sucesso foi tanto que chegamos a editar 100 mil exemplares. A maioria dos bancários lia o jornal com medo. Tudo dependia do crivo da censura militar. A imprensa vivia amordaçada, mas a turma realizava uma ginástica danada pra fazer circular livros, discos e letras de músicas, até então considerados uma afronta ao regime militar.

Quando começou a sua luta contra a ditadura?
– Em 1968, quando estudava no Ceneart. As reuniões clandestinas eram feitas lá no Centro Estudantil Osasquense (CEO), que funcionava num prédio entre a Antônio Agu e a João Crudo. Na calada da noite, nas vésperas das comemorações de 7 de Setembro, a gente entrava no pátio das escolas e arrancava a bandeira nacional. Como protesto, deixava no mastro um pano preto, com respingos de vermelho.

Chegou a ser preso?
– Duas vezes, mas aí eu já atuava como sindicalista. Uma vez cheguei a ser algemado. O Jorginho, que hoje é o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, estava entregando folha bancária junto comigo. Duro mesmo foi quando me pegaram apoiando uma greve na porta de uma fábrica lá em Cotia. Eu era o presidente do jornal Batente. Quando a polícia chegou a turma que estava distribuindo jornais jogou a maioria dentro do meu fusquinha branco. Fui preso e jogado num camburão com mais dez pessoas. Da delegacia de Cotia nosso destino seria o Dops. Só que durante o trajeto começamos a passar mal por causa de um estranho cheiro de gás. Um dos metalúrgicos, chamado Bernardo, entrou em convulsão. Eu, que respirava por meio de uma fresta, consegui chamar a atenção gritando e batendo na lataria da cabina. Resumindo, os militares entraram em Osasco e deixaram a gente num hospital. Por milagre não acabamos nos porões da tortura. Fui provocado e até humilhado, mas nunca apanhei e tampouco me intimidei diante das botas dos coronéis. O sonho e a luta pela democracia superavam o meu medo.

Quando começou a gostar de política?
– Desde os tempos de roça, quando minha mãe era sócia do Sindicato Rural e recebia uma turma lá em casa para discutir reforma agrária. Eu tinha 10 anos, mas era uma criança cheia de perguntas para poucas respostas. Queria entender, por exemplo, por que o produtor dependia tanto do atravessador, que de repente conseguia ganhar três vezes mais, na sombra e sem correr riscos. No fundo, claro que de uma maneira mais simples, eu raciocinava como gente grande. O País tinha pressa, mas as turbulências da época emperravam o processo do desenvolvimento agrário. Havia muita miséria, e as políticas públicas pediam mudanças. Acho que foi por aí, quando criança, que a política entrou no meu sangue.
O senhor é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores em Osasco…
– Na verdade, o PT de Osasco nasceu no final dos anos 70, no Centro Comunitário da Vila Yolanda. Em 1982, para ajudar o partido, fui para o sacrifício. Em vez de candidato a vereador, que seria mais fácil, saí na legenda como deputado estadual. Tive cerca de 9 mil votos, mas o partido ganhou duas cadeiras na Câmara Municipal. Foi quando o João Paulo e a minha irmã Rosa tomaram posse para um mandato de seis anos.

Por que sua irmã fechou o mandato e não quis mais saber de política?
– Porque ela não é do tipo que “engole sapo”, coisa que às vezes a gente precisa fazer como político. A Rosa nunca tolerou falsidade, demagogia, mudanças de comportamento, enfim, é o tipo da pessoa direta. Seu raciocínio está acima do partido. Ela deixou a política, mas nunca deixou de me apoiar. Hoje, além de ensinar a mulherada a trabalhar com tricô, ela ganha a vida como professora.

Quando ela abandonou o barco político o senhor estreou como vereador…
– Sim, em 1988. De lá pra cá, passei por cinco vestibulares consecutivos (risos). Em quatro oportunidades, dentro da nossa bancada, tive a felicidade de passar em primeiro lugar. Para o quinto mandato, e olha que ser reeleito já é uma honra, tive 5.600 votos.

Tem conversado com o prefeito eleito, Emidio Pereira?
Não. A última vez que o vi foi na festa da vitória, após a apuração dos votos. Fui apenas para cumprimentá-lo. Ele sabe que pode contar comigo. Tenho ouvido muitos boatos por aí: uns dizem que eu vou ser o presidente da Câmara, outros que eu vou ser secretário municipal, e até gente apostando que eu vou assumir a cadeira do Emidio lá na Assembléia Legislativa. Sei que o clima no PT é de festa, mas tudo isso que estão dizendo do Marcos Martins não tem nem um pingo de verdade.
O PT de Osasco ganha uma cadeira de prefeito mas perde uma de deputado estadual. O senhor tem projetos para as eleições de 2006?
– Estou à disposição do partido, mas posso adiantar que a possibilidade de uma candidatura a deputado é real.
Acima do meu futuro político está o nosso compromisso de trabalho e de respeito pela cidade de Osasco. Tem gente que gasta milhões numa campanha de vereador. Eu ganhei cinco seguidas, mas na base da unha. Esse reconhecimento popular é o meu grande orgulho.

Qual a receita para ser um bom vereador?
– Andar na periferia e na área central da cidade, sempre levando uma caneta e um bloquinho de anotações. Sem papel e caneta o vereador é como uma vaca sem tetas (risos). Minhas caminhadas diárias giram em torno de 5 quilômetros. Além disso, atendo o povo na Câmara e no meu escritório político (Rua André Manojo, 207 – Centro/Osasco). Nossa receita é trabalho, mostrar a cara na rua, ouvir a população, enfim, ter vontade política, humildade e, acima de tudo, interesse pelas causas sociais.