Centenário de JOÃO PACÍFICO

João Batista da Silva, conhecido como compositor de música sertaneja pelo nome de João Pacífico, nasceu em uma fazenda no município de Cordeirópolis (SP), no dia 05/08/1909. Faleceu em 30/12/1998.

Neto de escravos, cursou o Grupo Escolar no município de Limeira (SP). Recebeu o título de Cidadão Paulistano, conquistou discos de ouro e compos mais de 1.200 músicas. Foi um dos maiores compositores da música sertaneja do Brasil. Seus maiores sucessos foram as canções Pingo d’Água, Cabocla Tereza, Chico Mulato e Mourão da Porteira.

Diversas duplas e cantores sertanejos gravaram suas composições, dentre eles Inezita Barroso, Tonico e Tinoco, que gravaram quase todo seu repertório, Sérgio Reis, João Paulo e Daniel, Duo Glacial, Tião Carreiro e Pardinho, Jacó e Jacozinho.

O início da profissionalização de João Pacífico ocorreu em 1934, quando trabalhou na Rádio Cruzeiro do Sul, que não tinha programa de auditório, mas tinha um dos mais competentes estúdios do país. Seu ingresso na rádio foi resultado de encontro entre o futuro compositor e o Príncipe dos Poetas, Guilherme de Almeida, no carro-restaurante de um dos trens da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.

Aos 74 anos de idade, morando numa casa na Capital do estado de São Paulo, ao lembrar do começo de sua carreira, João Pacífico registrou que veio para São Paulo em 1924 e foi trabalhar no clube Sociedade Harmonia de Tênis “indicado por um amigo”, onde ficou por onze anos, “pois a rádio era só bico”. Um dos diretores do clube, que era também diretor do Banco Ítalo-Belga o levou para esse banco, onde ficou por 38 anos, até se aposentar. Obteve duas aposentadorias, como bancário e como compositor. A primeira com 38 anos de trabalho e a outra com 45.

Sua primeira música gravada foi uma embolada. Isso porque na época, fins da década de 1920, quem começasse tinha que começar mesmo com embolada, pois era o que as gravadoras queriam lançar. A embolada foi gravada por Raul Torres e Aurora Miranda, saiu pelo selo Odeon e foi feita em homenagem a um amigo de Pacífico que morava em Campinas (SP).

Seu primeiro sucesso foi Chico Mulato (“Na volta daquela estrada/ bem em frente de uma encruzilhada/ todo ano a gente via/ lá no meio do terreiro/ a imagem do padroeiro/ São João da Freguesia/ do lado tinha a fogueira/ e ao redor, a noite inteira/ tinha caboclo violeiro/ tinha a tal de Terezinha/ cabocla bem bonitinha, sambava neste terreiro…”).

A clássica Cabocla Tereza foi gravada em 1936 pela primeira vez e é até hoje ainda gravada. É uma das composições mais conhecidas de Pacífico. A história de um sujeito que, enciumado, possessivo, acaba matando a amada porque ela “felicidade não quis”. Esta é uma das músicas mais conhecidas do cancioneiro nacional. Cabocla Tereza se encaixa perfeitamente na argumentação que João Pacífico dava à aceitação das suas músicas. Para ele, o caboclo gosta de “história completa, que tem começo, meio e fim, gosta de folhetim, como se fosse notícia de jornal”.

Essa música virou até roteiro de filme, o que deu oportunidade para que João Pacífico utilizasse suas qualidades de compositor num trabalho, para ele, até então inédito: trabalhar sob encomenda e fazer trilha para cinema.
Depois de Cabocla Tereza, o grande sucesso de João Pacífico foi com a música Pingo d’água, composta em 1944, na cidade paulista de Barretos, “numa época em que o sertão paulista estava amargando uma seca de sete meses”. O disco saiu no dia 5 de agosto de 1944. No mesmo dia, cantou a música no Programa Minerva da rádio Record que, na época, era um sucesso. Uma semana depois choveu muito. Pingo d’água também foi um sucesso e, contrariando a regra do compositor, não tinha proseado.

Falando sobre sua temática sertaneja, João Pacífico disse que naturalmente influiu muito o fato de ter nascido em fazenda, em pleno sertão paulista. Lembrou ainda que sua mãe também lhe contava e cantava muitas coisas da vida rural.

Cenas, fotos e lembranças foram a matéria-prima que o poeta usou. Aquilo que aos olhos normais passa despercebido, para o poeta adquiriu métrica, ritmo e melodia. Exemplo disso é o poema/música Goteira. Pacífico contou que um dia estava sozinho em casa e chovia. No fundo do quintal, uma calha jogava água sobre uma lata abandonada. Foi o suficiente para nascer esta composição: “Aquela noite chovia que Deus dava/ aquela chuva que varou a noite a noite inteira/ no meu telhado uma telha se quebrava/ pre’u ouvir a sinfonia da goteira/ e uma lata enferrujada, coitadinha/ tão esquecida lá num canto onde eu dormia/ talvez a chuva vendo a pobre tão sozinha/ veio alentar/ cantando aquela melodia/ Veja seu moço/ eu também passei por isso/ fiquei igual aquela lata esquecida/ com a tristeza/ assumi um compromisso/ depois senti que a solidão/ não era vida/ e então pedi a Deus que me ajudasse/ e que voltasse minha doce companheira/ e no meu rancho outra telha se quebrasse/ pois tive inveja/ do carinho da goteira.”

Contando belíssimas estórias e apreciando boa cachaça de alambique – tinha um tonel invejável em sua sala de visitas – foi assim que esse poeta construiu sua vida.

Sobre ele disse Rolando Boldrin: “João Pacífico era o mais antigo sobrevivente da autêntica música caipira, senão o único. Regravei praticamente todos os clássicos desse mestre, que morreu compondo coisas lindas. Não é exagero algum dizer que ele estava para o gênero como Noel Rosa para a música popular brasileira”.
Para finalizar nada melhor que o depoimento de Inezita Barroso: “Jamais conheci alguém tão criativo. Sem diploma ou formação  musical, João Pacífico criou algumas das mais belas páginas da música caipira. Era um gênio, doce e sensível. Perdi a conta de quantas vezes ele se apresentou em meu programa nos dezenove anos de Viola, minha viola. Ele sempre chegava da mesma forma – entrava correndo, bem-humorado e brincalhão.”

No dia 05 de agosto de 2009 João Pacífico completaria 100 anos. É mais que justo que a Assembléia Legislativa de São Paulo homenageie o centenário desse tão ilustre paulista.