Comunidades do Rio Negro, no Amazonas, mais expostas ao mercúrio

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Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) buscam entender como ocorre o processo de produção da versão mais perigosa do mercúrio à saúde humana na bacia do Rio Negro. A preocupação dos pesquisadores é que as populações ribeirinhas que vivem ao longo dos rios que formam essa bacia estão mais expostos à versão potencialmente perigosa do mercúrio, o metilmercúrio (C2H6Hg). O motivo é que as águas pretas produzem muito mais mercúrio que as águas brancas.

A pesquisa é coordenada pelo cientista Bruce Forsberg. A alta concentração de mercúrio causa uma síndrome neurológica e os sintomas incluem distúrbios sensoriais nas mãos e pés, danos à visão e audição, fraqueza e, em casos extremos, paralisia e morte.

“A bacia de rios de águas pretas é o lugar que mais me preocupa porque ainda não foi feito um estudo aprofundado. Em outros locais do mundo, pesquisas registraram que em águas mais pretas há uma maior concentração de mercúrio nos peixes. E a contaminação dos caboclos ocorre pelo consumo desses peixes que também são contaminados pelo mercúrio. O peixe é a principal fonte de proteína do ribeirinho”, disse ele.

O estudo está em fase de coleta de materiais e dados e o próximo passo é a análise da concentração do metilmercúrio. Foram coletadas mechas de cabelos de ribeirinhos para indicar a concentração de metilmercúrio no organismo e espécimes de dois peixes bastante consumidos: tucunaré e traíra.

“Trabalhamos com o tucunaré e a traíra que são peixes que não migram. Vivendo sempre no mesmo lugar, eles acumulam o mercúrio exatamente no rio onde o estudo é realizado”, explicou. Os equipamentos para medir a concentração de mercúrio foram adquiridos com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisas do Estado do Amazonas (Fapeam).

 

Cadeia alimentar

Os solos da Amazônia, principalmente os de cor vermelha, são excepcionalmente ricos em mercúrio. A chuva leva esse mercúrio para os rios e lagos. E nos ambientes de pouco oxigênio e matéria orgânica encontra o ambiente ideal para a transformação do metilmercúrio. O mercúrio se torna bioacumulativo e acaba se concentrando em maiores quantidades nos organismos no topo da cadeia alimentar, no caso o homem.

O Rio Negro apresenta um elevado grau de acidez, com pH 3,8 a 4,9 devido à grande quantidade de ácidos orgânicos provenientes da decomposição da vegetação. Por isso, a água apresenta uma coloração escura. “Sabemos que quanto maior o grau de acidezmaior a produção de metilmercúrio”, disse ele.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera tolerável uma taxa de mercúrio de 50 ppm para a população em geral e 10 ppm para grávidas. “Nas grávidas, a concentração a partir de dez passa a ter feitos congênitos e muito mais graves. Durante a gestação, a mãe pode até repassar o mercúrio para o feto e isso pode afetar o desenvolvimento neurológico do bebê. Pode haver caso até de malformação de membros e órgãos”, disse.

Segundo Bruce, há casos de adultos que apresentaram tremores até os ossos quebrarem. “Mas é importante citar que nesses dois casos, do bebê com deformações e do adulto que tremeu até seus ossos quebrarem, não foram registrados na Amazônia”, completou.

Nos anos 1980, quando começaram as pesquisas sobre mercúrio na Amazônia, achava-se que a principal fonte de mercúrio era o homem que usava o mercúrio nos garimpos. Nos anos 1990 começaram a ser feitos estudos em áreas longe dos garimpos e foram encontrados níveis de mercúrio muito maiores.

No Amazonas, a população que vive às margens dos rios Tapajós e Madeira onde há muitos garimpos apresentam, em média, níveis de mercúrio que não passam de dez. Porém, nos anos 90, estudos no Alto Rio Negro realizados pela equipe do pesquisador identificaram ribeirinhos com média de concentração de mercúrio igual a 70.

Bruce lembra um caso no Japão como o mais emblemático de pessoas que morreram contaminadas com alta concentração de mercúrio. O fato ocorreu em 1956, quando mais de 900 pessoas morreram na cidade de Minamata e em aldeias pesqueiras próximas a essa localidade. Eles foram envenenados porque consumiram peixes contaminados com mercúrio. Na localidade havia uma fábrica da Corporação Chisso que produzia fertilizantes químicos. No processo de produção, a empresa lançava dejetos contendo mercúrio que, por consequência, contaminaram os peixes da região.

A Doença de Minamata é uma síndrome neurológica. Os sintomas incluem distúrbios sensoriais nas mãos e pés, danos à visão e audição, fraqueza e, em casos extremos, paralisia e morte. Em 2001, uma pesquisa indicou que cerca de 2 milhões de pessoas podem ter sido afetadas por comer peixe contaminado. No mesmo período de tempo, foi reconhecido que 2.955 pessoas sofreram da doença de Minamata. Destas, 2.265 viveram na costa do mar de Yatsushiro.