Minaçu, a cidade que respira o amianto
Albertino de Oliveira é um homem acabado. Ele viu morrer sete familiares ao longo dos dez últimos anos. “(Morreram) Minha mulher, meu pai, um irmão, três tios, um primo”, conta o senhor de cabelo branco de 54 anos. Os parentes tinham algo em comum: todos eram funcionários da mina de amianto de Minaçu, no interior de Goiás.
Na sua mão, Oliveira segura a lista de cerca de 30 pessoas que sofrem de mesotelioma ou que tenham manchas na pleura. Doenças típicas dos trabalhadores do amianto. Ao lado de alguns nomes, Oliveira escreve a letra “F”, por falecido. De 1973 a 1988, ele mesmo trabalhou na mina, no ensacamento da fibra.
“Quinze anos trabalhando numa nuvem de poeira com pedaços de algodão no nariz como única proteção”, diz. Ele ainda não está doente, mas pede indenização. Para aqueles que comeram fibra durante anos e que estão morrendo sem um olhar”.
Albertino já calculou: nos próximos anos, cerca de 500 pessoas desenvolverão alguma doença diretamente ligada ao amianto, entre eles ex-funcionários da mina e moradores da cidade que até 1987 viviam cercados pela poeira. “Você passava o dedo em qualquer carro na rua, ele ficava inteiramente branco de tanta poeira que tinha”.
Na cidade do estado de Goiás, a 400 km ao norte de Brasília, os ex funcionários não têm voz. Alguns receberam uma indenização, outros estão tentando anos depois de terem deixado a empresa sem serem reconhecidos como doentes ocupacionais. Dono da mina, a Sama, propriedade da Eternit, consegue, quase sempre, acordos extrajudiciais com as vítimas para não ser citada em eventuais ações penais.
A Sama afirma que desde 1980, nenhum funcionário contraiu qualquer doença. Para aqueles que entraram na empresa antes de 1980, a Sama joga a responsabilidade sobre a Saint Gobain, principal acionista da Sama até os anos 70. Durante quatro décadas, o grupo francês explorou no estado vizinho da Bahia a mina de São Felix, em Poções. Em 1967, a descoberta de uma gigantesca fonte de amianto em Minaçu levou ao fechamento da mina baiana. A empresa foi deslocada e a maioria dos mineiros seguiu para Minaçu, distante de 1.200 quilômetros da área. De acordo com a Sama, a maior parte das vitimas foi contaminada na antiga mina.
Em Minaçu, criticar o amianto é colocar em perigo o único empregador da cidade. A cidade é o lar de 30 mil moradores. Nasceu com o amianto e sumirá junto com ele. Cerca de 70% dos impostos arrecadados pelo município vinham da atividade mineira. Com um total de 300 mil toneladas extraídas todo ano, é a terceira maior mina de amianto crisotila do planeta depois da Rússia (a maior do mundo) e do Canadá. E a única ainda em atividade no continente latino americano. Nada menos do que 13 % de todo o amianto vendido no mundo sai de Minaçu.
Para a Sama, o amianto não é perigoso. Não quando manipulado com precaução, diz. No inicio dos anos 80, a empresa começou a limitar o contato dos trabalhadores com a poeira do amianto. Enormes filtros de ar foram instalados. Os funcionários foram obrigados a trabalhar com máscaras e as roupas de trabalho, lavadas internamente apos o término de cada turno. Enquanto isso, os poços de extração do mineral começaram a receber grandes volumes de água jogados por caminhões para evitar poeira.
Para Fernanda Giannasi, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), o futuro de Minaçu é emblemático. “A Sama fala de “fibras inaláveis de crisotila” enquanto o nível de fibras no ar atinge 0,1 fibra/cm3. Porem, não existe um nível seguro a partir do qual a amianto deixa de ser mortal. Este argumento enganoso é a ultima bala no fuzil daqueles que sabem que os belos dias do amianto estão contados”.
Adelman Araujo, presidente do sindicato dos trabalhadores do amianto de Minaçu, reconhece que a amianto causa câncer, mas ele nega qualquer caso de contaminação na cidade. “Sobre as 16 mil pessoas que já trabalharam na mina desde a abertura, em 1967, apenas 2% têm doenças ligadas ao manejo do amianto. Minaçu não é uma cidade cancerígena”.
No número 396 da rua 13, porém, o câncer já fez a sua vítima em uma pequena humilde casa queimada pelo sol forte da tarde. Maria de Lourdes abre o portão, se refugia na sombra e limpa o suor que cobre o seu rosto cansado. Numa das paredes, a fotografia do marido, Claudivino, que faleceu em 2002 aos 56 anos. Um mesotelioma o levou depois de sofrer com dores insuportáveis. De 1977 a 1990, ele trabalhou na mina. Um dia uma tosse forte o atacou. À noite, quando ele voltava do serviço, cuspia sangue sem parar, conta Maria de Lourdes.
Ele tinha tanta dor nos pulmões que até beber água era um suplicio. Eu sabia que esta pedra tinha algo de errado. Eles esconderam da gente que o amianto matava.
A Sama nunca reconheceu a sua responsabilidade na morte do ex-funcionário. A viúva nunca recebeu indenização. Nem teve acesso à necropsia do marido. No atestado de óbito, os médicos da Sama descreveram uma saúde frágil por causa do uso excessivo do álcool. Claudivino nunca bebeu uma gota de álcool, diz Maria de Lourdes.
Casos iguais a este são contados às dezenas em Minaçu. Alguns ingressaram na mina antes de 1980; outros, depois da data.
A posição oficial da mina e dos defensores do amianto está baseada num estudo epidemiológico conduzido por duas das universidades mais reputadas do país, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas (Unicamp). Em um documento intitulado Exposição ambiental ao Abesto: avaliação do risco e efeitos na saúde, os pesquisadores concluíram a ausência de qualquer risco para a saúde enquanto os níveis de contato com o amianto seguem controlados. Problema: este estudo foi financiado pelo Instituto Brasileiro da crisotila, que defende o uso do amianto no Brasil. Segundo um documento lançado em agosto de 2012 pelo Ministério da Saúde, 2400 pessoas já morreram devido a doenças ligadas ao amianto entre 2000 e 2010. A tendência é a elevação rápida do numero de casos nos próximos anos, concluía o estudo.
Minaçu, a grande mina em língua tupi guarani, pode, no entanto, estar com os dias contados. Já interditado em 5 estados do País, a amianto pode ser banido do território nacional. Há alguns meses, o Tribunal Superior Federal examina a proibição total de um mineral hoje presente em nada menos que 3000 produtos industriais.
Seria uma catástrofe para Minaçu.
A mina possui hoje 800 funcionários e 400 prestadores de serviços. Segundo Adelman Araujo, isso representa 5500 empregos induzidos que são a sobrevivência de 20 000 pessoas. Se a mina fechar, 70 % dos moradores fugirão da cidade.
Em frente à sua casa, Albertino abaixa-se para pegar um pedaço de asfalto amolecido pelo calor. Aqui, a gente pisa no amianto, brinca ela ao mostrar a fibra branca misturada ao piche. A rua que fui recentemente reformada pela prefeitura é formada por rochas derivadas da mina.
Em Minaçu, o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções.